09 de novembro de 2023
Em junho deste ano eu terminei de ler
“Toda Luz que não podemos ver” e acabei fazendo apenas uma postagem para o
instagram (ultimamente estou sendo bem negligente com este blog). Pois bem,
ontem terminei a minissérie de quatro episódios feita pela Netflix e fiquei
surpreendida em presenciar um milagre: gostei mais da adaptação.
Para entender o assunto, vou comentar
spoilers significativos tanto do livro quanto da série, então se você ainda não
teve contato com nenhuma das duas obras, não recomendo a leitura da matéria.
Primeiramente, nunca tive o costume de consumir coisas que se passam no período das duas guerras mundiais. Nenhum motivo especial, apenas não chamava minha atenção, porém eu estava afim de ler algum livro de romances (no sentido de romântico) que abalasse minhas estruturas de tanto chorar (e ainda não encontrei), e este livro em especial estava numa lista assim. Mas o que posso dizer é que definitivamente o livro não tem nadica disto. Um erro que acredito que a série fez bem em consertar.
Como sabem àqueles que tiveram contato com
a obra, na história acompanhamos dez anos da vida de duas pessoas: a garota
cega francesa, Marie e o garoto pobre alemão, Werner. E ambos têm algo em comum
mesmo morando tão longe um do outro: escutam a mesma frequência 13.10 na qual
um misterioso ‘professor’ conta algumas curiosidade sobre física, história e
afins.
O livro, apesar do final terrível que irei
comentar, me agradou por mostrar o ponto de vista dos dois por tanto tempo.
Marie foi meu primeiro contato com uma protagonista cega e acredito que o autor
conseguiu muito bem retratar a deficiência nas páginas ao mesmo tempo que
conseguiu dar importância e relevância para ela dentro do contexto histórico.
Já Werner, meu personagem favorito, é aquele tipo de mocinho que sofre o livro
inteiro e é quase impossível não criar simpatia com ele sendo engolido pelo sistema
nazista, tirando dele toda a felicidade, pouco a pouco.
O mais interessante em como funcionou a
adaptação é que ela foca quase que totalmente nos 20% finais do livro,
justamente onde o autor se perdeu, então provavelmente foi isso que me fez
gostar tanto da série: “corrigiu” o que eu achei terrível. E agora vou falar um
pouco sobre isso.
O livro é mais completo em questão de
trama, isso é inevitável já que a obra possui 635 páginas. Acompanhamos em
detalhes a vida de Werner dentro do Instituto e como ele foi “subindo” como
gênio do rádio lá dentro, vemos os amigos dele (que a série cortou totalmente)
e até como foram as missões terríveis que ele participou e os vínculos que
criou. Já com Marie acompanhamos de perto a mudança dela de Paris para
Saint-Malo, a vida dela dentro do museu antes da fuga, a relação profunda que
ela tinha com o pai e após isso, a relação que criou com o tio-avô Etienne, o
que vale considerar também que o livro acelerou e alterou quase tudo. Todas as
interações são resumidas na série, o que não a torna ruim, só diferente, até
porque os pontos mais importantes estão lá.
Mas nesta questão vou citar duas
grandíssimas mudanças: a morte de ambas figuras paternas. No livro a morte do
pai nunca é mostrada, ele desaparece dentro da prisão, e apesar de sabermos de
fato que aconteceu, para os personagens o sentimento de perda sempre fica
naquele desconforto que o desaparecimento causa. E Etienne fica vivíssimo. Mas
isto envolve a GRANDE mudança do livro que sem mais enrolações vou comentar: O
destino de Werner.
E se vocês me perguntam, gostei mais da
série só pela mudança disso? Sim. Só. Se isso pode-se chamar-se de “só”. E para
isso precisarei dar uma enroladinha um pouco mais para explicar meu ponto.
“Toda Luz que não podemos ver” tem tudo
para ser um romance:
- Acompanha a trajetória de dois
personagens com um ponto em comum muito significativo na vida deles;
- Têm a mesma idade;
- Monta o enredo para o grande momento:
eles se conhecerem.
Você passa o livro inteiro esperando que
eles se conheçam e simplesmente o autor destrói suas expectativas dos 80% pra
frente. Sim, eles se conhecem, mas de uma maneira corrida e tão sem graça que
nem parece que vale a pena. Não tem uma ligação, não tem aquele TCHANS que a
gente espera, é bonitinho, mas nada além disso (até fui reler enquanto escrevia
essa matéria para ter certeza). É uma quebra de expectativa gigantesca,
caramba, eles nem CONVERSAM sobre o ponto em comum.
A série entregou a possibilidade de
romance que o livro ignorou.
Eles se conhecem, se conectam, sabem o que
têm em comum.
ELE CONHECE O NARRADOR DO RÁDIO, e apesar
de isso ter sido o responsável por muuitas mudanças no enredo (como a morte de
Etienne), a cena ficou muito linda e significativa. O próprio Werner senta na
cadeira e usa a o rádio que ele escutou na infância. Isso foi fantástico demais
e rola até uma promessa que eles vão se reencontrar e mesmo eu sabendo que não
vai ter continuação eu fiquei feliz, porque FINALMENTE Werner teve uma pontinha
de esperança para o futuro, porque sim, o pior de tudo neste livro foi o final
do personagem.
Falando na lata, Werner morre só para o
autor passar uma lição de moral fajuta.
Explicando: durante todo o livro Werner se
vê em frente à escolhas difíceis, ele é uma peça controlável do regime nazista,
ele tem medo de morrer, ele tem medo que matem Jutta, as coisas acontecem e
inclusive o melhor amigo dele do Instituto – que tem um destino horrível por
conta do bullying – diz uma frase forte: “Seu problema, Werner, é que você
ainda acredita que sua vida lhe pertence.”
Após ser capturado ele não consegue comer
simplesmente por algo psicológico, começa a ter febre e alucinações. Ele sai
andando sobre minas e morre explodido com pensamentos do que ele poderia ter
sido. Werner deixou subentendido, mas o autor foi claro: ele tinha escolha,
escolheu errado e agora não poderia viver com isso. Seja psicologicamente para
o personagem, ou moralmente para a sociedade.
Isso foi detestável.
A pessoa sofre o livro inteiro e no final
ainda precisa ter a redenção morrendo?
Acho tão fácil apontar para os outros e
falar sobre escolha. Ainda mais numa guerra. A série tratou isso de maneira
honesta num diálogo simples entre ele e o Professor/Etienne.
“Eu fiz coisas horríveis.”
“Eu também fiz coisas horríveis.”
Pessoas boas fazem coisas horríveis às
vezes e pessoas horríveis fazem coisas boas às vezes. Escolhas não são apenas
sobre nós, nossa vida é em sociedade, nossa vida é sobre harmonia. Werner “teve
escolha”? Sim, a vida dele e da Jutta contra a de desconhecidos. O autor teria
feito algo diferente antes de escolher escrever algo tão despretensioso dessa
forma? É um tema complexo. Julgamentos pós-guerra são complicados.
Mas no livro não teve margem para debate. O
personagem fez coisa ruim, o destino é a morte. Na série o destino é a
esperança, mesmo que tenha ficado em aberto.
Werner terá a liberdade do regime nazista,
irá passar por um julgamento e pelo menos terá esperança de se reencontrar com
Marie.
Não sei dizer se eu gostaria da série se já não tivesse o background do livro, com todas as informações adicionais. Porém foi esse final mais humano, e menos preocupado em uma lição de moral, que me agradou tanto.
Até a próxima, galera!
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