Comentário: Hiroshima de Josh Hersey

06 de janeiro de 2022

Lacerante.

               Eu nunca gostei de usar essa palavra em críticas, resenhas e comentários, não por algo contra a palavra, acho ela perfeita para descrever alguns acontecimentos literários. Mas para mim, sempre foi um sentimento difícil de despertar no dia a dia.

               O final de “Um dia”? Revoltosamente triste.

               O destino de Rose em Doctor Who? Uma depressão contínua sempre de lembrar.


               Um romance trágico a lá Diários de Uma Paixão e P.s.: Eu te amo? Realmente de chorar.

           Porém algo que dilacera você. Te rasga em pedacinho, fecha sua garganta e transborda desespero é algo muito difícil de despertar no outro.

               E mesmo assim não há palavra melhor que defina esse livro.

Hiroshima, publicado em 1946, por Josh Hersey, é um livro jornalístico, que acompanha a jornada de seis sobreviventes da Bomba de Hiroshima. O livro é dividido em cinco partes e cada uma relata um momento da vida deles.

No primeiro capítulo, Um Clarão Silencioso, vemos cada um dos sobreviventes, o que fazem, como era a vida dele e um pouco de suas personalidades. Cada um deles tendo a narração encerrada no momento que eles se deparam com o clarão repentino da bomba. Já no segundo capítulo, O Fogo, acompanhamos a visão de cada um deles após toda a liberação de energia ter passado e ter deixado um rastro de morte, destruição e fogo.

No terceiro e quarto capítulos, a forma de ver o mundo de cada hibakusha (nome dado aos que sobreviveram a bomba) vai se alterando. Começa a investigação não só do país, mas também individual sobre o que aconteceu, as teorias, o que acreditavam ser a explosão. Os hospitais estavam lotados, não havia como salvar todos. As rádios lentamente passavam a transmitir as primeiras informações que possuíam. O Presidente dos Estados Unidos, Truman, faz um pronunciamento oficial explicando sobre a existência da bomba atômica e diz ser mais potente que 20 mil toneladas de TNT.

Toda a situação é muito precária, os hospitais não conseguem dar conta, as vítimas apresentam sintomas pós a explosão, como febre, fraqueza, queda de cabelo. Ninguém ainda entende como tratar a exposição tão alta à radiação. O livro avança e os sobreviventes voltam a tentar construir suas vidas, tentam arranjar empregos, moradias, começar do zero com o fardo das sequelas.

E por último, o quinto capítulo foi escrito por John Hersey 40 anos após o lançamento original. Mostrando as dificuldades que cada um dos sobreviventes enfrentou, como lidaram com os sintomas e tocaram a vida para frente.

Todo o livro é angustiante, mas principalmente os primeiros capítulos. Apesar de já ter visto fotos e um documentário sobre Hiroshima, é impossível não se surpreender com as narrações. Os olhos das pessoas que encararam a bomba derreteram na órbita e escorreram pelo rosto. As roupas grudaram na pele tamanho o calor emitido. Depois que os efeitos iniciais passam há tanta gente indo para o hospital, morrendo no caminho que um dos narradores, um médico, precisa tomar a decisão de cremar as pessoas e colocar em saquinhos porque não há espaço suficiente para guardar as cinzas de maneira mais honrosa.

Uma das coisas neste início do livro que também me chocou foi a forma do japonês lidar com isso. Claro, cada indivíduo foi único nas narrações, mas na grande massa notamos um imperialismo muito forte. Alguns moribundos aceitam a morte como uma provação de honra ao Governo, outros choram quando o Imperador se pronuncia ao povo. Um dos amigos de um de nossos “personagens” corre em direção às chamas pela vergonha de ser do lado que perdeu a guerra. Junto com a dor das mortes, a dor física, a maior parte deles está também enfrentando uma dor profunda a honra deles. O Japão tinha perdido a Guerra.

Outra coisa que me surpreendi foi com o próprio Governo Japonês, primeiro demorando pra admitir que havia perdido a guerra, depois não dando suporte aos afetados. Inclusive, no quinto capítulo vemos que foi depois de mais de 10 anos da explosão que o Japão efetivamente deu suporte financeiro e médico para os afetados, muitos deles já estavam até mortos... E isso me pegou de surpresa porque aqui no Brasil sempre idealizamos muito os outros países e o Japão sempre teve fama entre a gente de fazer as coisas tudo certinho, e bem, o jeito deles de lidar com toda a situação e com os necessitados não foi muito exemplar.

Apesar de não ter sido uma leitura AGRADÀVEL, que você acaba bem e satisfeito, diria que foi muito importante para mim, para desenvolver conhecimento de mundo, de culturas diferentes, política e guerra. Principalmente porque eu nunca tive uma consciência tão próxima do que ocorreu, a gente vê fotos, lê notícias, vê relatos, mas a forma que os sobreviventes narram suas jornadas nesse livro é completamente é outra coisa.

E apesar de não se tratar de algo que está no livro, queria mandar um grandíssimo “vai se fuder” pras pessoas que comparam ou ainda, justificam, os lançamentos das bombas de Hiroshima e Nagasaki usando o ataque a Pearl Harbor... Isso é coisa de gente tosca e com espírito deturbado de norte-americanismo. Vi várias pessoas, principalmente homens, usando esse argumento e também o de “era guerra”. Pearl Harbor foi um ataque a uma base naval que matou 2335 soldados e 83 civis, e que ocorreu 4 anos antes de acabar a guerra. Hiroshima e Nagasaki eram cidades, e as bombas mataram 70 mil pessoas no mesmo instante e outras 60 mil de sequelas posteriores. Sendo grande parte, se não a maioria, de civis. Além de que as bombas foram lançadas num momento que a Guerra já estava praticamente acabada. E mesmo que os Estados Unidos usem como argumento “foi isso que deu fim a guerra”, esse até o momento ainda foi um dos maiores terrorismos já realizados entre nações, a Guerra já ia acabar, eles só queriam mostrar como eram poderosos.

Então é isso, se você é uma dessas pessoas acho que a leitura desse livro é mais do que importante, é essencial. E para as outras que não se enquadram neste grupo, ainda sim indico demais a leitura. Vão sofrer? Com certeza, mas como dizem alguns filósofos, o conhecimento sempre vem de mãos dadas com uma leva de sofrimento. 


Sobre Ingrid Boni

Viciada em livros do mais diversos tipos. Porém especialmente apaixonada por fantasia e ficção histórica.

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