Lacerante.
Eu nunca gostei de usar essa palavra em críticas,
resenhas e comentários, não por algo contra a palavra, acho ela perfeita para
descrever alguns acontecimentos literários. Mas para mim, sempre foi um
sentimento difícil de despertar no dia a dia.
O final de “Um dia”? Revoltosamente triste.
O destino de Rose em Doctor Who? Uma depressão contínua sempre de lembrar.
Um romance trágico a lá Diários de Uma Paixão e P.s.:
Eu te amo? Realmente de chorar.
Porém algo que dilacera
você. Te rasga em pedacinho, fecha sua garganta e transborda desespero é algo
muito difícil de despertar no outro.
E mesmo assim não há palavra melhor que defina esse
livro.
Hiroshima,
publicado em 1946, por Josh Hersey, é um livro jornalístico, que acompanha a
jornada de seis sobreviventes da Bomba de Hiroshima. O livro é dividido em cinco
partes e cada uma relata um momento da vida deles.
No primeiro
capítulo, Um Clarão Silencioso, vemos cada um dos sobreviventes, o que fazem,
como era a vida dele e um pouco de suas personalidades. Cada um deles tendo a
narração encerrada no momento que eles se deparam com o clarão repentino da
bomba. Já no segundo capítulo, O Fogo, acompanhamos a visão de cada um deles
após toda a liberação de energia ter passado e ter deixado um rastro de morte,
destruição e fogo.
No terceiro e
quarto capítulos, a forma de ver o mundo de cada hibakusha (nome dado aos que
sobreviveram a bomba) vai se alterando. Começa a investigação não só do país,
mas também individual sobre o que aconteceu, as teorias, o que acreditavam ser
a explosão. Os hospitais estavam lotados, não havia como salvar todos. As
rádios lentamente passavam a transmitir as primeiras informações que possuíam.
O Presidente dos Estados Unidos, Truman, faz um pronunciamento oficial
explicando sobre a existência da bomba atômica e diz ser mais potente que 20
mil toneladas de TNT.
Toda a
situação é muito precária, os hospitais não conseguem dar conta, as vítimas
apresentam sintomas pós a explosão, como febre, fraqueza, queda de cabelo.
Ninguém ainda entende como tratar a exposição tão alta à radiação. O livro
avança e os sobreviventes voltam a tentar construir suas vidas, tentam arranjar
empregos, moradias, começar do zero com o fardo das sequelas.
E por último,
o quinto capítulo foi escrito por John Hersey 40 anos após o lançamento original.
Mostrando as dificuldades que cada um dos sobreviventes enfrentou, como lidaram
com os sintomas e tocaram a vida para frente.
Todo o livro é
angustiante, mas principalmente os primeiros capítulos. Apesar de já ter visto
fotos e um documentário sobre Hiroshima, é impossível não se surpreender com as
narrações. Os olhos das pessoas que encararam a bomba derreteram na órbita e
escorreram pelo rosto. As roupas grudaram na pele tamanho o calor emitido. Depois
que os efeitos iniciais passam há tanta gente indo para o hospital, morrendo no
caminho que um dos narradores, um médico, precisa tomar a decisão de cremar as
pessoas e colocar em saquinhos porque não há espaço suficiente para guardar as
cinzas de maneira mais honrosa.
Uma das coisas
neste início do livro que também me chocou foi a forma do japonês lidar com
isso. Claro, cada indivíduo foi único nas narrações, mas na grande massa
notamos um imperialismo muito forte. Alguns moribundos aceitam a morte
como uma provação de honra ao Governo, outros choram quando o Imperador se
pronuncia ao povo. Um dos amigos de um de nossos “personagens” corre em direção
às chamas pela vergonha de ser do lado que perdeu a guerra. Junto com a dor das
mortes, a dor física, a maior parte deles está também enfrentando uma dor
profunda a honra deles. O Japão tinha perdido a Guerra.
Outra coisa que
me surpreendi foi com o próprio Governo Japonês, primeiro demorando pra admitir
que havia perdido a guerra, depois não dando suporte aos afetados. Inclusive,
no quinto capítulo vemos que foi depois de mais de 10 anos da explosão que o
Japão efetivamente deu suporte financeiro e médico para os afetados, muitos
deles já estavam até mortos... E isso me pegou de surpresa porque aqui no
Brasil sempre idealizamos muito os outros países e o Japão sempre teve fama
entre a gente de fazer as coisas tudo certinho, e bem, o jeito deles de lidar
com toda a situação e com os necessitados não foi muito exemplar.
Apesar de não
ter sido uma leitura AGRADÀVEL, que você acaba bem e satisfeito, diria que foi
muito importante para mim, para desenvolver conhecimento de mundo, de culturas
diferentes, política e guerra. Principalmente porque eu nunca tive uma consciência
tão próxima do que ocorreu, a gente vê fotos, lê notícias, vê relatos, mas a
forma que os sobreviventes narram suas jornadas nesse livro é completamente é
outra coisa.
E apesar de
não se tratar de algo que está no livro, queria mandar um grandíssimo “vai se
fuder” pras pessoas que comparam ou ainda, justificam, os lançamentos das bombas
de Hiroshima e Nagasaki usando o ataque a Pearl Harbor... Isso é coisa de gente
tosca e com espírito deturbado de norte-americanismo. Vi várias pessoas, principalmente
homens, usando esse argumento e também o de “era guerra”. Pearl Harbor foi um
ataque a uma base naval que matou 2335 soldados e 83 civis, e que ocorreu 4 anos antes de acabar a guerra. Hiroshima e Nagasaki eram cidades, e as bombas mataram 70
mil pessoas no mesmo instante e outras 60 mil de sequelas posteriores. Sendo
grande parte, se não a maioria, de civis. Além de que as bombas foram lançadas
num momento que a Guerra já estava praticamente acabada. E mesmo que os Estados
Unidos usem como argumento “foi isso que deu fim a guerra”, esse até o momento
ainda foi um dos maiores terrorismos já realizados entre nações, a Guerra já ia acabar, eles
só queriam mostrar como eram poderosos.
Então é isso, se você é uma dessas pessoas acho que a leitura desse livro é mais do que importante, é essencial. E para as outras que não se enquadram neste grupo, ainda sim indico demais a leitura. Vão sofrer? Com certeza, mas como dizem alguns filósofos, o conhecimento sempre vem de mãos dadas com uma leva de sofrimento.
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